quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Nesta casa fala-se inglês


Reuníamo-nos com nossos anfitriões na cozinha do simpático apartamento deles em Moema, São Paulo. Ajuntados em redor da pequena mesa de tampo de mármore, sentados sobre instáveis banquinhos, conversávamos, líamos, acessávamos a internet, jogávamos cartas e, ás vezes, até fazíamos refeições por lá. Não saberíamos dizer exatamente quando nossas conversas começaram a ser em língua inglesa. Cremos que foi a partir de uma ligação da irmã do dono da casa em que ela confidenciava atribulações em seu casamento. Eram conversas íntimas, confessionais, portanto não deveriam ser acessíveis às duas moças que faziam trabalhos domésticos na casa. Por isso, entre um aconselhamento e outro, nosso anfitrião começou a falar à irmã coisas como “You’re overeacting; it's not a big deal; think about the kids!”...

Nós acompanhávamos esse transe conjugal com aflição e cuidado, e quando instados a dar alguma opinião também o fazíamos em fala britânica, com intervenções cheias de clichês e absurdas licenças gramaticais: “Everything is gonna be ok sweetty, don’t worry”.

Decerto que os transtornos passaram; fatalmente eles se foram, mas, mesmo quando já devidamente sanadas as desinteligências matrimoniais em Fortaleza, continuou-se a falar inglês naquela casa, agora em banais diálogos domésticos.

Então, certa noite, as duas moças chegaram mais tarde de seus encontros, e estavam com os olhos brilhantes de excitação. Alguém perguntou por todos: “Viram passarinho verde, meninas? Ou estão apaixonadas?” Elas negaram veementemente, tanto a alucinação ornitológica como a paixão súbita. Entusiasmadas, revelaram: “Estamos matriculadas no curso de inglês do SENAC!”