- Vamo, a gente volta logo. Vamo, por favor, vamo!
Ele queria ir para um lugar chamado Azteca, uma lanchonete vagabunda da Santos Dumont que, além de chope aguado, refrigerantes desgaseificados e comida assassina, tinha umas máquinas de games e fliperama, tudo jurássico visto d’agora, mas muito early adopter à época, veja você...
Eu, o tio do menino, era um adolescente bicho-grilo e tinha outros planos que incluíam ouvir beatles, chicos e caetanos em companhia do pai dele, descer até à praia para encontrar amigos, tocar violão, fumar coisas ilegais e administrar outros vícios e manias não menos interessantes. Mas sempre capitulava à vontade do pequeno – não sem insinuar uma compensação implícita pela insalubridade do programa:
- Você me paga uma cerveja?
Pagava uma, duas, três, enchia os bolsos de fichas e passava a detonar uma após outra, não muito rapidamente, pois era habilidoso na luta com as máquinas, e eu ficava tomando cerveja, conversando com cara do balcão e dividindo com os pais dos outros pequenos gamemaníacos a pergunta eternamente irrespondível: “O que eles vêem de tão interessante nesses jogos barulhentos e repetitivos?”
Lembro também de um dia terrível, alguns anos depois, ele já adolescente. Depois de eu ter passado três dias de porre, a mãe-irmã dele-minha resolveu me levar para uma festa num sítio, um negócio tipo Dia dos Pais ou das Mães, não me recordo. Minha aparência era deplorável, minhas mãos tremiam e a cabeça – que mesmo sóbria não funciona lá essas coisas – era incapaz de articular uma idéia, simplória que fosse. Ele me vestiu, então, com “roupas decentes”, levou-me a um bar onde tomei uns troços que logo me trouxeram cor e idéias (cor artificial e idéias tortas, mas sempre cor e idéias), elogiou-me supostos talentos e virtudes duvidosas, enfim, levantou meu astral com sua generosidade mansa e amiga como se ele é que devesse proteger-me e não o contrário.
Uma madrugada, sozinhos em casa, cansados de beber, o novo dia não chegava, tédio. O que fazer?
- Vamos ligar pra Margareth Thatcher!
- Pra quê?
- Vamos esculhambá-la e nos solidarizar com a luta emancipista do IRA.
- “Keep Ireland for the Irish”?
- Isso. Sabe o número do telefone dela?
- Não, mas o endereço é manjado: Downing Street, 10, Londres.
- Então é só ligar pro DDI informações. As moças dão o número.
E foi assim que, durante quase uma hora, as prestativas telefonistas internacionais da Telebrás tentaram localizar para nós o telefone do endereço mais famoso e inacessível da Europa Ocidental. Em vão: o número da então primeira-ministra britânica não constava das listas.
O Exercito Republicano Irlandês, IRA, perdeu um importante, talvez decisivo apoio ideológico – a Irlanda do Norte continua fazendo parte do Reino Unido. E nós não fomos felizes para sempre. Por enquanto.