sexta-feira, 11 de abril de 2008

Não conseguimos falar com a bruxa


Lembro um garotinho, aí pelos seus dez anos, puxando a perna do meu jeans com a inabalável obstinação da pouca idade e a energia inesgotável da minoria infantil bem alimentada:

- Vamo, a gente volta logo. Vamo, por favor, vamo!

Ele queria ir para um lugar chamado Azteca, uma lanchonete vagabunda da Santos Dumont que, além de chope aguado, refrigerantes desgaseificados e comida assassina, tinha umas máquinas de games e fliperama, tudo jurássico visto d’agora, mas muito early adopter à época, veja você...

Eu, o tio do menino, era um adolescente bicho-grilo e tinha outros planos que incluíam ouvir beatles, chicos e caetanos em companhia do pai dele, descer até à praia para encontrar amigos, tocar violão, fumar coisas ilegais e administrar outros vícios e manias não menos interessantes. Mas sempre capitulava à vontade do pequeno – não sem insinuar uma compensação implícita pela insalubridade do programa:

- Você me paga uma cerveja?

Pagava uma, duas, três, enchia os bolsos de fichas e passava a detonar uma após outra, não muito rapidamente, pois era habilidoso na luta com as máquinas, e eu ficava tomando cerveja, conversando com cara do balcão e dividindo com os pais dos outros pequenos gamemaníacos a pergunta eternamente irrespondível: “O que eles vêem de tão interessante nesses jogos barulhentos e repetitivos?”

Lembro também de um dia terrível, alguns anos depois, ele já adolescente. Depois de eu ter passado três dias de porre, a mãe-irmã dele-minha resolveu me levar para uma festa num sítio, um negócio tipo Dia dos Pais ou das Mães, não me recordo. Minha aparência era deplorável, minhas mãos tremiam e a cabeça – que mesmo sóbria não funciona lá essas coisas – era incapaz de articular uma idéia, simplória que fosse. Ele me vestiu, então, com “roupas decentes”, levou-me a um bar onde tomei uns troços que logo me trouxeram cor e idéias (cor artificial e idéias tortas, mas sempre cor e idéias), elogiou-me supostos talentos e virtudes duvidosas, enfim, levantou meu astral com sua generosidade mansa e amiga como se ele é que devesse proteger-me e não o contrário.

Uma madrugada, sozinhos em casa, cansados de beber, o novo dia não chegava, tédio. O que fazer?

- Vamos ligar pra Margareth Thatcher!

- Pra quê?

- Vamos esculhambá-la e nos solidarizar com a luta emancipista do IRA.

- “Keep Ireland for the Irish”?

- Isso. Sabe o número do telefone dela?

- Não, mas o endereço é manjado: Downing Street, 10, Londres.

- Então é só ligar pro DDI informações. As moças dão o número.

E foi assim que, durante quase uma hora, as prestativas telefonistas internacionais da Telebrás tentaram localizar para nós o telefone do endereço mais famoso e inacessível da Europa Ocidental. Em vão: o número da então primeira-ministra britânica não constava das listas.

O Exercito Republicano Irlandês, IRA, perdeu um importante, talvez decisivo apoio ideológico – a Irlanda do Norte continua fazendo parte do Reino Unido. E nós não fomos felizes para sempre. Por enquanto.

6 comentários:

Emerson Damasceno disse...

Meu amado tio e amigo.
Muito obrigado pelo texto. Obriando ainda - principalmente - por fazer parte das nossas vidas. Você é a figura mais ímpar que tive e tenho o prazer de conviver.
São tantas estórias que deixam ainda mais doce as lembranças do passado. Eu queria muito estar mais próximo para lhe dar aquele abraço. De qualquer maneira, sinta-se abraçado sempre.
Saudade....mais ainda.

Vanessa disse...

Vocês tem cada história... Ainda bem que eu era muito criança para participar senão poderia ser ainda mais desviada do que sou hoje...

Mas ainda adoro escutar as história de vocês!

Beijos!

Anônimo disse...

Adoro essa história da ligação pra Thatcher. XD E adoraria mais ainda conhecer essa telefonista q passou uma hora procurando o telefone de Downing Street!

Renata disse...

Hum, que tal vc voltar a gostar do Engels e aparecer pra escrever algo novo? Sinto sua falta por essas plagas!

Unknown disse...

Jooooooorge
Cadê você?
sumiu total, e agora? o.O

Emerson Damasceno disse...

atualize djá! :)