terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

Prisão-albergue

We study in a prison called school

(John Lennon – Born in a Prison)

Do Diário de Aninha Paula Evangelista, 10 anos.

Querido Diário,

De manhã, todos os caminhos me levam à escola. Nãocomo fugir. Nunca mais tive uma febrezinha bem-vinda, nem uma oportuna dor de garganta, e todas as minhas simulações de doença foram implacavelmente desmascaradas. Fazer o quê? É enfrentar a situação. Tomar banho, escovar dentes, vestir uniforme, tomar café bem rápido, pois estou atrasada, condução, escola, sala de aula, aula. Aula: um ano bissexto tem 366 dias; a capital de Honduras é Tegucigalpa; não se começa frase com pronome obliquo; the pencil is on the desk, números primos são divisíveis entre si ou pela unidade... Você sabe o que é fotossíntese, Diário? Eu sei! É o processo pelo qual, através da luz do sol, as plantas clorofiladas fabricam seu próprio alimento. Me diz – ops, não se começa frase com pronome oblíquo - corrigindo: Diz-me, Diário, de que me serve saber disso? Será que, se eu chegar numa loja de brinquedos e disser: “A fotossíntese permite que as plantas se alimentem sozinhas”, os caras vão me dar uma Barbie com o Ken e toda aquela mobília linda de graça? Eu acho que não! Minha cabeça anda cheia de datas e nomes esquisitos. Robert Hooke descobriu a célula em 1665; Cristóvão Colombo chegou às ilhas canárias em 12 de outubro 1442; em 15 de novembro de 1889, a República foi proclamada no Brasil pelo marechal Deodoro da Fonseca. Francamente, Diário, não sei pra que me servem essas informações todas, mas meus pais me dizem que preciso aprender tudo isso, então eu aceito e agüento (viu como sei usar o trema no “u”?).

Onnnnnnnnnnnnnnnnnnnn!

Oba, são 11:30 e tocou a sirene anunciando o final da aula. Jogo livros, cadernos, e canetas na mochila, desordenadamente, e saio correndo, atropelando colegas e sendo atropelada por eles, porque a porta de saída da sala é pequena demais para a nossa ânsia de liberdade. No corredor, dou a mão à pessoa que veio me apanhar e depois atravessamos o pátio até chegar ao Grande Portão que nos separa da rua e da vida. Saio com a camiseta amarrotada, o cadarço do tênis desenlaçado, cantarolando e chutando as pedrinhas que encontro pelo caminho. Livre, finalmente, livre! Mas amanhã recomeça tudo de novo. E depois, e depois, e depois, e depois...

Hoje, nove anos depois, Ana Paula Evangelista Maciel é aluna do curso de Letras da Universidade Federal do Ceará - UFC. Mas suas dúvidas a respeito da importância do aprendizado formal ainda persistem.”De que me serve – pergunta-se agora Ana Paula – saber o significado de Sincronia e Diacronia em Lingüística? De que me vale saber que Platão e Aristóteles são filósofos do horizonte do Ser e que Sartre e Wittgenstein são do horizonte da Linguagem? Por quê me interessaria distinguir as funções de um texto? Que utilidade me tem compreender os conceitos de mimesis e catarse na tragédia aristotélica? Eu quero é dançar; eu quero é ser feliz!”

7 comentários:

Emerson Damasceno disse...

Dada minha suspeição, não tecerei maiores comentários sobre minha indelével aleria em vê-lo também blogueiro. Já feitas, então, as devidas honrarias no meu anêmico anomia... :)
Salve!

Unknown disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Unknown disse...

Jorge

A Lua, nem sempre ardente, nem sempre terna, adorou tudo... sobretudo a foto com o violão. A narradora emprestada, sem a bem-vinda febrinha matutina, a colocou no seu dia-a-dia hehehe... eita 2 meninos pra levar pra escola...

Bjs

Luz da Lua

Renata disse...

Ué!!! Passei pra ver se tinha post novo! Ô! Eu quero post novo!!!

=(((((((((

Rodrigo Santiago disse...

Que barato!!!

Você já está no meu google reader. Perdoe-me pela demora ;D

Vanessa disse...

Esse texto é muito bom! Nesses dias tenho até sentido saudades da UFC...

Beijos

Manu Santos disse...

Nossa, muito bom esse texto!
Vc sabia que o seu link ta no meu blog???

Desculpe a demora, meu amigo! Me enrolei. :(